Ver que a vida não cessa de nos dar oportunidades para mudarmos nossas atitudes...
sábado, 9 de outubro de 2010
Migração
domingo, 8 de agosto de 2010
Intervenções urbanas
Você sabe o que são flash mobs? Até bem pouco, eu também não sabia. Essa nova informação – pelo menos pra mim - estava em minha caixa de correspondência há alguns dias. Flash mobs são propostas para despertar o olhar e a mente automatizados pela rotina estressante das grandes cidades. Algumas manifestações são previamente combinadas pela internet.
Desconhecido não só para mim, mas também para a grande maioria das pessoas, tem conquistado cada vez mais adeptos.
O primeiro desses movimentos é em relação aos livros. Segundo o idealizador do projeto “Livro Livre”, Felipe Meyer, “livros não são objetos de decoração e devem percorrer um caminho”. Por conta disso, o paulistano passou a se deparar com livros propositadamente esquecidos por alguém em bancos de praças ou pontos de ônibus.
O segundo movimento é o Café do Próximo, uma corrente surgida há três anos na qual o cliente deixa pago também um cafezinho para o cliente seguinte, o qual desconhece totalmente.
Motivada, a dona de um café na Vila Madalena, em SP, Beth Guido, resolveu acatar a sugestão do psicólogo Marcos Fleury, que conhecera a prática na Livraria Argumento, no Rio. “Pagar o café para alguém é uma demonstração simbólica de afeto”, define ela. Para o psicólogo, por meio dessa gentileza às escuras os adeptos também se aproximam das outras pessoas, mesmo que não conheçam seus rostos.
O terceiro flash mobs é o batizado de “Iluminação Urbana”. Em trajes sociais, as transeuntes vão se juntado à meditação do grupo Influenza (nome dado numa paródia ao do vírus H1N1), em plena Avenida Paulista. A meditação é feita na hora do rush para chamar a atenção das pessoas, valendo-se do silêncio em meio à balbúrdia de final de expediente. “Ao invés de lutarmos por uma revolução externa, buscamos uma revolução interna: a tranqüilidade em meio ao caos”, justifica o artista Alexandre Paulain, um dos criadores do grupo Influenza.
Rosane Leiria Ávila
Publicada no Jornal Agora wwww.jornalagora.com.br- 25 de julho de 2010
Roupa para a alma
Nesta semana de temperatura extremamente gélida, algo me lembrar de minha infância - ele mesmo, o frio. Resgatado por uma prática assumida em momentos de crise: a de colocar a roupa que vou vestir próxima a uma estufa para aquecê-la. É uma sensação muito agradável... Parece um carinho!
Na verdade, é um carinho. Na minha infância, o de minha mãe que, zelosa ou temerosa que eu ou minhas irmãs ficássemos doentes no inverno, tinha o costume de esquentar as roupas que vestiríamos após o banho, quando pequenas. Ou mesmo não tão pequenas, porque bastava que estivéssemos um pouco resfriadas e o velho ritual já era colocado em voga.
Não sei se ela ainda se lembra disso. Mas eu sim, e reeditei o velho costume neste inverno que, para o meu desconforto, ainda está longe do fim.
- Tem feito muito frio, até mesmo para um gaúcho, segredou-me um velho senhor dividindo comigo o estreito balcão de uma cafeteria apinhada de gente, na tarde fria da última quinta.
- Ou talvez porque a temperatura no inverno tenha se elevado e as próprias estações por vezes fiquem indefinidas, é que sintamos tanto quando voltamos aos tempos de invernais de outrora, com imagens de geadas nos campos, de sensações doídas de vento como navalha na pele, ilustrou ele a sua própria afirmação.
- Mas o frio tem o seu lado bom, retrucou uma mulher, atenta à nossa conversa de balcão. “Estamos aqui bem agasalhados, tomando um cafezinho fumegante muito gostoso. Em minha opinião, todos ficam mais elegantes no inverno. Há prazeres que o verão nos rouba”, completou.
- A senhora olha à sua volta quando sai à rua? Percebe os que dormem nas calçadas? As crianças? Os animais? Enquanto abrigada confortavelmente em suas roupas consegue pensar naqueles que poucas têm para se cobrir? Que se vestem com trapos e farrapos? E que, além disso, também não podem tomar um café quente ou fazer uma refeição mais calórica?
A essa altura, além de nós dois, a conversa passou a interessar quem estava em volta.
A mulher ficou em silêncio, sorvendo os últimos goles de seu café. Depois, vagarosamente pousou a xícara sob o balcão, pegou as luvas dentro da bolsa e começou a vesti-las, sem pressa. Deduzi que o café já estava pago porque ela deu alguns passos em direção à saída, parando na frente dele.
- Não julgue nem acuse sem o conhecimento da verdade. Para onde o senhor vai quando sair daqui?
- Ora, vou para casa assistir tevê. Reunir-me com a família e, mais tarde, tomar uma deliciosa sopa no pão, especialidade de minha mulher. Acompanhada de um bom cabernet, é claro. Mas o que isso tem a ver com a nossa conversa?
Depois disso, virou-se e saiu. Silêncio e sorrisos amarelos. Quase todos fazendo um ‘me culpa’ e pensando em suas próprias atitudes. Ou na ausência delas.
Rosane Leiria Ávila
Publicada no Jornal Agora http://www.jornalagora.com.br/- 17 de julho de 2010
Insights e sonhos
Escutei o relato abaixo durante uma palestra há algum tempo e rabisquei num bloco que resgatei esta semana.
A mulher tinha o mesmo sonho durante muito tempo em sua vida: estava na frente de um templo junto com um grupo, mas não pertenceia a ele. Depois de uma breve combinação, o grupo entrava, mas ela não. Não entrava porque tinha medo. E tinha medo porque sabia que estava morta e o seu corpo estava enterrado lá dentro.
Anos mais tarde, ela, professora de artes plásticas, acompanhou o marido, também professor, em um estágio na Espanha. Numa tarde, enquanto o marido estudava, ela resolveu caminhar sem um destino definido. E de repente, viu-se diante de um templo. Para sua estupefação, o mesmo que aparecia em seus sonhos. Na frente do prédio, um grupo de turistas que se reunia à volta do guia para acertar detalhes da visita ao local.
Ela se sentiu como se estivesse pregada ao chão. Paralisada pelo medo, não teve coragem de entrar com o grupo. Todos entraram, mas ela ficou ali durante um tempo que lhe pareceu interminável. Fechou os olhos e sua mente começou a mesclar imagens lá de dentro com a rua onde ela estava. Durante um longo período ela ficou parada decidindo o que deveria fazer. Receava que assim como o sonho lhe mostrou, seu corpo estivesse enterrado lá dentro.
Mas foi que, de repente, a professora de artes conseguiu enxergar que aquela era uma oportunidade única em sua vida nesta vida. E que talvez não viesse a se repetir. Então, resolveu entrar no templo e visitar as clausuras. E teve uma regressão a uma vida passada de forma espontânea, na qual enxergou a si própria como um monge que viveu naquele tempo. Num insight, viu que o claustro antes era um jardim cheio de rosas, com borboletas e passarinhos. Emocionou-se e agradeceu aquele momento orando por todos os monges.
domingo, 18 de julho de 2010
Domingo tem cara de domingo
Mas para mim domingo é só o dia de permissão sem grandes explicações; um dia que tem cara de domingo e ponto final. Pode ter o mesmo sol, a mesma lua. Pode ser na mesma cidade, no mesmo bairro, na mesma casa. Mas, dá pra se perceber que é domingo porque tudo fica mais preguiçoso e a vida ganha ar de mormaço... Pelas falas pausadas de todo mundo, pelos movimentos mais lentos...
É dia de atualizar blog, Facebook, Twitter, Orkut, Windows Live... Ou dia de ficar até mais tarde de pijama com cabelo por pentear. De deixar cama desfeita, louça na pia. É dia de não se irritar com coisa alguma. Único para tomar chimarrão acompanhado de biscoitinhos salgados. É dia de cheiro de churrasco na vizinhança. Ou fila na porta de restaurante. Dia pra comer pipoca, de ir ao cinema. De passear demoradamente com o cachorro. De curtir a família. De se juntar aos amigos. De sentar no parque. De observar os outros. De se deixar observar pelos outros...
Domingo é dia de não se importar com coisas sérias, ou melhor, não pensar em coisas sérias. Por isso, recebo o domingo com alma de criança. Às vezes, já no sábado em sua derradeira despedida a menos de um minuto para a meia-noite.
Para os meus domingos, permito-me tudo. Mas recuso-me ver tevê.
domingo, 4 de julho de 2010
O som do silêncio
domingo, 20 de junho de 2010
Walking In The Air
http://www.youtube.com/watch?v=lDh_L9JU5dQ
ou
http://www.youtube.com/watch?v=dMQGqAdEPd4
domingo, 13 de junho de 2010
Flutuando no azul da meia-noite
Por vários dias escutei a mesma música: "Walking in the Air" (composição de Howard Blake para a versão cinematográfica de "The Snowman", livro infantil do autor inglês Raymond Briggs, publicado em 1978. Em 1982, a publicação foi transformada em desenho animado).
Não é uma canção nova e eu já a conhecia, embora uma pesquisa tenha me mostrado um novo arranjo na voz da cantora Chloe Agnew, cantora irlandesa que ficou famosa por sua participação no grupo musical Celtic Woman. Baixei os dois - o original e a adaptação.
Mas por mais que a ouvisse, não me fartava. A sisma se deu depois de um sonho. De um sonho, não. De uma noite dormida pela metade, na qual acordei pelo som interno da música. Ela estava na minha cabeça e havia sido recuperada em minha memória há pelo menos quase cinco anos. O engraçado é que nesse tempo decorrido, eu nunca mais a havia escutado e até não possuo mais o CD.
Na manhã seguinte, a primeira coisa que fiz foi procurá-la na internet. Achei inúmeras versões, em inúmeras vozes, de inúmeros jeitos. Mas eu queria a original. Ou pelo menos, igual a do meu CD perdido.
"Acho que tua alma tinha necessidade de escutá-la", disse-me minha amiga, rindo quando lhe contei minha insaciabilidade.
Passou-se mais de uma semana e minha alma continua querendo ouvi-la. Curiosa, fui procurar a tradução da letra. E entendi por quê.
"Estamos caminhando no ar / Estamos flutuando no céu enluarado / As pessoas lá embaixo dormem enquanto voamos... / Passeando no azul da meia-noite / Através do mundo / As vilas passam como se fossem árvores / Os rios e as colinas / A floresta e os riachos / As crianças de boca aberta contemplam / Pegas de surpresa / Ninguém lá embaixo acredita no que está vendo / Estamos surfando no ar / Estamos nadando no céu congelado / Estamos passando acima das montanhas congeladas / De repente baixamos até o fundo de oceano / Despertando o monstro poderoso de seu sono / Estamos caminhando no ar / Flutuamos no céu da meia-noite / E quem nos vê, cumprimenta-nos enquanto voamos..."
http://www.jornalagora.com.br/site/index.php?caderno=48¬icia=82725
sábado, 12 de junho de 2010
Encontros
E, aí quando menos espero, conheço alguém simpático e solícito que torna mais leve e suportável o ‘enlatamento’. E com o qual travo um breve, mas agradável contato.
A vida é cheia de encontros. Encontros românticos. Encontros agendados. Encontros aguardados com ansiedade. Encontros breves. Encontros alegres ou dolorosos. Encontros chatos e com jeito de dever a ser cumprido. Encontros por obrigação. Encontros para tratar de negócios. Encontros para breves despedidas ou revestidos de eternidade. Mas também de encontros casuais, sem dia e hora marcados. E encontros deliciosamente inesperados entre desconhecidos.
Refletindo sobre esses encontros imprevistos que possuem a brevidade de 30 e poucos minutos, dou-me conta de que seus rastros deixam lembranças por vários dias.
Encontros casuais acontecem a todo o momento e por isso, são leves e despidos de compromissos. Conhecemos pessoas com as quais interagimos, trocamos experiências, confidências, opiniões e até breves piadas, mas que sabemos que a chance é uma em um milhão de as encontrarmos novamente.
Mesmo assim, essa mutação não tira o entusiasmo da troca. Das conversas breves que até mesmo revelam afinidades. Entretanto, em sua grande maioria, não há trocas de contatos. Como se naquele momento a gente apostasse no acaso ou fingisse morar numa pequena cidade interiorana onde todos se conhecem por nome, sobrenome, e onde os segredos estão estendidos em varais ou debruçados nas janelas.
E ao fim de uma breve jornada, as despedidas são tão cordiais quantos o primeiro olhar, o primeiro sorriso, a primeira gentileza. No aceno corriqueiro, fica tacitamente explícita a tenuidade do anonimato.
sexta-feira, 4 de junho de 2010
Assombro
O que me assombra? No momento em que escrevo é esta quarta-feira. Exatamente por já ser ela a metade da semana, por já ser metade do ano, por ter decorrido mais da metade do tempo que tenho pra viver. Em suma, metade de tudo...
Escrevi “tempo pra viver?” Será que dá para brincar com isso, deixando Deus à margem e todas as leis que regem o universo criado por ele, tomando as rédeas da contagem dos dias que ainda me faltam?
A questão é: se isso fosse possível para mim e para todos, o que faríamos exatamente? Qual seria a nossa primeira reação? Prazer por termos poder para ampliarmos o prazo? Uma melhor consciência de como aproveitarmos melhor o tempo que nos resta para fazer coisas úteis, boas e realmente importantes?
O tempo passa mais depressa que nossas expectativas em relação às etapas da vida. E das quais não conseguimos fugir por mais que tentemos burlar a receita prescrita: nascimento, infância, adolescência, juventude, maturidade, velhice e morte.
Embora na juventude possamos pensar no tempo como algo infinito, a verdade é que ele é uma viagem sem volta a cada segundo.
Alias, pensando melhor, tudo na vida tem apenas tickets de partidas sem regressos. Mesmo quando achamos que podemos voltar atrás para nos desculpar com quem magoamos; ou quando tentamos retomar a atenção que negligenciamos quando envoltos no emaranhado das atribuições cotidianas... Quando não encontramos tempo para ir ao encontro do nosso melhor amigo. Quando deixamos tudo para o outro dia, e deste dia para o outro, parando apenas quando sacudidos pelo inesperado – não tão inesperado assim – de que ele já não está mais lá para nos receber com o seu abraço afetuoso, com suas palavras confortadoras, com seu sorriso largo!
O tempo não perdoa nem rebobina o filme para rostos bonitos e corpos esculturais, por mais que a medicina estética avance. Essa inconformidade na aceitação da passagem do tempo só gera arremedos de belezas de outrora, que poderiam continuar sendo belos somente sob um novo olhar.
Rugas e linhas de expressão podem tornar rostos tão belos quanto os de vinte e poucos anos, porque são talhadas pelas experiências de vida e sabedoria.
Quem não repara nos excessos de botox em lábios engraçadamente revirados; nas bochechas salientes, redondas e rosadas quase prestes a explodirem? Ou não olha de soslaio para os seios absurdamente empinados e siliconizados da senhora com mais de 70, na fila do caixa no supermercado?
Na verdade, meu maior assombro da semana foi chegar ao restaurante ontem e saber que a gerente, 27 anos e mãe de um bebê com seis meses, havia morrido no início da manhã, saindo de casa para o trabalho, de repente... Do coração...
E ela nem estava na metade do tempo de vida que poderia viver.
Rosane Leiria Ávila
Publicado no JORNAL AGORA
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Os pombos
Nossos sonhos
Uma amiga revelou-me que não sonha. Nunca sonha. Bobagem. Ela sonha só que não consegue se lembrar depois. Ela também ficou escandalizada quando lhe devolvi em confidência: “Eu sonho todas as noites e em muitas, mais de um sonho. Também costumo anotá-los e alguns acabam até virando crônicas”.
Minha mãe, por exemplo, sempre gostou de decifrar sonhos. Seus e os das filhas, das netas... Ou pelo menos tentar. Por conta disso, quando pequena ficava fascinada achando que ela podia olhar nossas cabeças enquanto dormíamos, como uma bruxa olha sua bola de cristal.
Sonhar é muito bom mas também muito íntimo. Não podemos sair por aí contando nossos sonhos. Segundo o pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856 – 1939), à medida em que o ego adormece, afrouxavam-se os laços do sensor liberando o acesso aos nossos impulsos mais reprimidos e linguagens inconfessas. Dizia também que sempre costumamos sonhar entre as 6h e às 8h, de três a cinco vezes, e praticamente de 90 em 90 minutos. Concordo com a quantidade, mas juro que os meus começam tão logo adormeço.
Já o Carl Jung (1885 -1960), que estudou os sonhos por mais de dez anos, concluiu que eles são uma porta de acesso a outras dimensões. Todos os personagens, emoções e situações remetem a uma jornada onírica como ser.
Jung trabalhou inicialmente com Freud na pesquisa dos sonhos. Um dia, exaustos, adormeceram e sonharam. Foi quando descobriram que o sonho está dividido em cinco partes: a RAM, a REM, a RIM, a ROM e a RUM. Depois de algum tempo, eles se dividiram em suas interpretações ao sonho.
Os sonhos tentaram ser interpretados já na antiga Grécia. Em tempos mais recentes, a psicoterapia tem três correntes: Freud, Yung e Erich Fromm. Este último defende que questões econômicas influem na capacidade dos indivíduos sonharem. E define: "Nosso Eu, como ser social, e a sociedade influenciando no meu sonhar".
Eu, particularmente, aceito e gosto da definição de sonho pelo Xamanismo: "Os nossos sonhos pertencem a um tempo e a um espaço". Filosofia de vida muito antiga, seus os ensinamentos baseiam-se na observação da natureza e seus sinais: sol, lua, terra, água, fogo, ar, animais, plantas, ventos, ciclos, enquanto que seus objetivos básicos são reconectar o ser com sua sabedoria interior.
Para mim, está perfeito.
Rosane Leiria Ávila
Publicado no Jornal Agora
www.jornalagora.com.br
domingo, 2 de maio de 2010
Juriti, o cão-carteiro
Ele chegou à casa da fazenda levado por um empregado que o encontrou, pequenininho, sozinho e perdido na estrada de terra batida. E longe, muito longe de qualquer civilização.
Tão pequeno que ainda mamava. E como não tinha mãe, foi criado pelo dono da casa com a mamadeira que havia ficado guardada num canto do armário, quase mofada, depois que a filha cresceu.
A vida que tinha iniciado de forma azarada, sorriu para Juriti. Sim, ele recebeu esse nome meio estranho, não sabia tirado de onde. Porque, mesmo sem o leite materno, sorvia com sofreguidão a mamadeira repleta de leite recém tirado das vacas ou das cabras.
Juriti crescia mais rápido que o tempo, e em poucos meses se tornou um cão alto, com pêlo duro e branco e magníficas orelhas pretas, o que lhe conferia um charme todo especial.
Também logo em seus primeiros dias na casa despertou a atenção de todos para sua inteligência: não havia coisa que não aprendesse rapidamente. E, muitas vezes, apenas com um ou dois ensinamentos.
Tomou gosto por tudo – corria atrás das galinhas por puro divertimento, pois era de boa índole e nem lhe passava pela cabeça machucar qualquer uma delas. Os coelhos, quando saíam das tocas, também eram motivo de correrias e brincadeiras de Juriti. Isso sem falar que simpatizava especialmente com aquelas que lhes forneceram o substancioso leite que o criou forte e belo: as vacas.
E era com elas que Juruti passava longos períodos no campo, ajudando na hora de salvaguardá-las dos perigos à noite, assim como as cabras. Com uma performance tão amigável e inteligente, Juriti foi um dia convidado a sair na charrete da casa que fazia às vezes de correio ou transporte de mercadorias.
Pois então! Foi através desses passeios de charrete que Juriti ‘conheceu o mundo’ e ganhou o gosto de se afastar por longas horas da casa da fazenda. Passou a sumir um dia, para voltar no seguinte. Depois, por dois dias, três... No início, todos se preocuparam. Mas como ele sempre voltava, relaxaram.
Bem, relaxaram não é o termo mais apropriado. Na verdade, tiveram a feliz ideia de o transformarem num ‘cão-correio’. Naquela época – ah, esqueci de dizer antes que a história se passou há uns 70 anos e foi resgatada na memória de minha mãe -, as coisas eram mais complicadas e uma casa ficava distante de outra várias léguas. Tudo era longíssimo. Mas bastava dizerem pra ele: “vai” e ele ia, atravessando campos e campos...
Então, Juriti passou a trabalhar também como entregador de bilhetes. Fizeram-lhe, sob medida, uma carteirinha de couro presa a uma coleira. Nela, tomaram o hábito de uma vez por semana escrever aos amigos na vizinhança.
E Juriti, unindo o útil ao agradável, estufava-se de orgulho com tão importante missão. As semanas e meses se passavam entre entregas para lá, respostas para cá. Todos elogiavam o trabalho do cão-carteiro.
Todos, não. Uma alma virada do avesso resolveu fazer uma brincadeira de mau gosto e interceptar uma entrega. No meio do caminho, atraiu a atenção do cão, fez-lhe um afago, deu-lhe um biscoito e substituiu o afável bilhete que ele levava por outro, repleto de palavrões.
Sem nada desconfiar, Juriti seguiu seu caminho até a casa onde a correspondência se destinava. Mas, qual não foi sua surpresa ao ver, minutos após a entrega, esta ser lida aos gritos, ao invés das amabilidades tão costumeiras. A dona da casa chamou a filha, que chamou o irmão, que chamou o pai. O conteúdo do bilhete obsceno deixou todos chocados. E eles decidiram escrever outro em troca, cortando os laços de amizade com seus tutores.
Juriti sabia que algo horrível havia acontecido. Cabisbaixo, voltou para sua casa levando o dobro do tempo no percurso, tamanho era o seu abatimento. A brincadeira de mau gosto pôs fim à sua carreira de mensageiro e a ele nunca mais foi confiada missão semelhante.
Até morrer, alguns anos mais tarde, Juriti não compreendeu o quê havia feito para ter seu trabalho suspenso.
Rosane L. Ávila
http://mulher-jornalagora.blogspot.com/
Twitter – rosaneleiria
domingo, 25 de abril de 2010
Nas Nuvens
Quando pequena, achava que ia ver Deus nas nuvens. Cresci e continuei me encantando com elas. E, no fundo, infantilmente, sempre procurando nelas imagens à semelhança da figura de um velho e bonachão senhor que nos acostumamos a ter Dele.
Tanto, que um dos meus passatempos prediletos, ou melhor, ócio religioso, é me perder na contemplação do azul do céu, admirando as nuvens que mudam rapidamente formando figuras desenhadas por minha imaginação.
Na espreguiçadeira, herança precoce pela morte de meu pai, muitas tardes de verão me espalhei admirando as nuvens. Da infância à adolescência, colecionei figuras e sensações com as cores do céu e das nuvens. Nas mais variadas nuances – com a luminosidade de dias claros e alegres, ou no acinzentado sinistro dos prenúncios de temporais.
Cheguei até mesmo ao ápice da infantilidade de acreditar que elas eram macias, e que ao toque dos meus dedos me proporcionariam a sensação de leveza que advém de uma bola de algodão.
Até hoje reservo um momento do meu dia ou da noite para olhar para o céu, não importando se estou indo para a cama, caminhando pela rua, espichando os olhos pela janela do carro ou daquela pequenininha de avião. Mas nesse último posto observatório, uma pontinha de grandeza toma conta de mim no sonho realizado: afinal, lá estou eu finalmente sentada nas nuvens!
Ou então, quando já no portão do prédio subo correndo os dois lances de escadas para enfiar na bolsa, às pressas, a câmera digital. Sei que pela rua encontrarei ‘muitos céus e muitas nuvens’. E que vou querer guardá-las para quase todo o sempre no meu momento nada eterno. Com flash ou sem, tipo portrait ou não, vou captando imagens de todo o jeito, de toda cor, em qualquer lugar, em qualquer céu.
O Aurélio me indica mais de meia dúzia delas (alta, ardente, atômica, baixa, estelar, média, noctilucente, derramadeira). Ou ainda as nuvens de estrelas e a Nuvem de Magalhães (duas nuvens estelares visíveis a olho nu e próximas ao Pólo Sul, descobertas pelo navegador português Fernão de Magalhães, 1480-1521), enquanto a canção “Sky blue Sky” (Céu, azul Céu), da banda Wilco (country alternativo) vai embalando o emaranhado de palavras desta crônica tão simplesinha e sem um final aparentemente conclusivo.
Mas, como muitas coisas que aparentam ser algo que não são, fica a suspeita de que talvez eu já tenha pulado do útero de minha mãe olhando as nuvens pela janela de uma maternidade, em noite estrelada de um quase verão.
Rosane Leiria Ávila
Jornal Agora (www.jornalagora.com.br)
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Responsabilidade: moral ou social?
Dual
domingo, 4 de abril de 2010
Falar ou silenciar?
Quando falar e quando calar? Saber falar é um dom – dizem, e calar, sabedoria. Mas, o mesmo vale para o sentido inverso? Em que momento falar é sábio e silenciar, uma virtude?
Refleti sobre essa questão durante um almoço. Confesso que o ambiente zen do restaurante vegetariano e a música suave de fundo ajudaram minha reflexão, se é que não foram responsáveis por ela. O fato é que me veio à mente a declaração de minha fisioterapeuta uma hora antes. Ela contou que durante uma massagem nas costas e coluna cervical de uma paciente, repentinamente encontrou um nódulo de tamanho significativo e com muita pouca chance de ser lipoma.
Claro que ela alertou a moça para a descoberta, mas quando perguntada por esta que tipo de especialista procurar, faltou-lhe coragem de indicar logo um oncologista e acabou aconselhando-a a ir a um clínico geral.
- Não tive coragem de dizer a ela que procurasse o oncologista para não assustá-la, completou.
Concluímos a conversa falando no medo que às vezes se tem de descobrir a verdade.
Também me veio à mente o programa “Saia Justa”, do GNT, assistido na noite anterior no qual as quatro apresentadoras – Mônica Waldvogel, Betty Lago, Márcia Tiburi e Maitê Proença liam e-mails enviados por telespectadoras. Em um deles uma moça perguntava se devia acabar o relacionamento com o namorado que gostava de praticar suingue (prática sexual que envolve dois ou mais casais).
A melhor resposta não foi dada por elas e saiu de perto de mim: “Se isso não incomoda a moça e se ela gosta, que continue. Mas é difícil pensar que seja assim, senão ela não estaria em dúvida”.
Questionei se essa clareza de resposta foi por esta estar resguardada no anonimato... Bem, o fato é que as apresentadoras do programa engasgaram - Bete se declarou bastante irritada, Maitê falou sem clareza e Mônica foi a que mostrou uma posição mais razoável para aquele momento, embora não tenha dado uma resposta concreta à telespectadora.
Sobre isso, de novo voltei a questionar em como é complicado ser sincero e falar o que realmente se pensa – já que a sinceridade muitas vezes é tomada por rispidez ou falta de educação. Talvez a resposta que uma delas tivesse vontade de dar tenha ficado entalada na garganta, engessada pelo hábito de que já nos acostumamos (ou fomos educados para assim o agirmos) a tomar um atalho cômodo para que não causemos mágoas.
No fundo, acredito que saber quando falar e quando calar é uma questão que envolve o nosso aprendizado na vida, o nosso crescimento e a nossa evolução. Que chega com o tempo e com a maturidade.
Rosane Leiria Ávila
Publicado no Jornal Agora (www.jornalagora.com.br) Mulher Interativa (http://mulher-jornalagora.blogspot.com)
sábado, 20 de março de 2010
Despojamento
Crônica publicada no Mulher Interativa (http://mulher-jornalagora.blogspot.com/)