sexta-feira, 12 de março de 2010

Sobre focinhos e afetos...

DSCF2511 LILIKA 17 jan 2010

Uma tia querida, casada e sem filhos, durante anos a fio viveu mantendo distância de animais domésticos – apenas criava galinhas para ter sempre ovos fresquinhos para os quitutes que tanto gostava de fazer para tropa de sobrinhos e afilhados que tinha.

Pois bem. Poucos anos antes de seu falecimento adotou – e eu nem sei contar aqui como esse fato histórico se deu -, uma cachorrinha a quem deu o nome de Brigite. Seria uma homenagem a Bardot? Àquela atriz francesa linda que abandonou a carreira no auge da fama nos anos 70 para se tornar uma ativista dos direitos dos animais?

Também não sei. A realidade é que vi o coração de minha tia se derreter dia a dia até ser tomado totalmente de amor por Brigite. As conversas durante as visitas passaram a se valer das peripécias dela. Minha tia já não sabia viver sem sua cadela.

E desta o que lembro? Da paciência e sabedoria para conquistar um humano, não digo insensível a animais, mas desabituado a demonstrações puras e inesperadas de afeto.

Um dia, Brigite morreu. Ao desconsolo de minha tia se seguiu a ideia fixa dela encontrar uma outra Brigite, igual na aparência física e no jeito.

Eu achava isso praticamente impossível e qual não foi minha surpresa ao receber a notícia, meses depois, de que ela havia encontrado outro animal igual à sua amada Brigite. E que havia batizado a nova cachorrinha de “Brigite II”. Assim mesmo, como descendente de uma dinastia.

Do que lembro e soube, a troca entre as duas se tornou tão igual à anterior.

Lembrei disso tudo porque hoje, durante o almoço e tendo por companhia inseparável um focinho, quatro patas, um coração maior que o mundo e uma inteligência excepcional, pensei nefastamente no dia da sua partida! Quem já passou por isso, leu o livro “Marley & Eu” ou assistiu ao filme tem uma noção de como esse momento de separação é extremamente difícil e doloroso.

Ao descer com há alguns dias para um dos seus três passeios diários, diverti-me com a cena cômica protagonizada por ela: burlando minha vigilância ela, que está extremamente proibida de roer ossos, achou um como se fosse um tesouro escondido num lugar secreto da rua. À minha ordem para largá-lo, obedeceu prontamente. Mas logo se arrependeu e o pegou de novo. Olhou para mim, viu minha desaprovação e o soltou novamente. Depois disso, repetiu a cena quase uma dezena de vezes. E eu, já aos risos escancarados, não tinha mais autoridade alguma para lhe impor nada.

Faceira, subiu os dois andares de um fôlego só, ansiosa para entrar e começar a degustá-lo. Passou o resto da tarde e entrou a noite roendo-o, num estado total de felicidade. Quando terminou, sua cara era de quem tinha alcançado o céu por um minuto.

Como não sentir saudades quando ela partir?! Está bem, assumo: sou um caso perdido, pois sofro tudo por antecipação.

Rosane Leiria Ávila – Publicada no Jornal Agora (http://www.jornalagora.com.br) – 13 e 14 de março de 2010.

Dor na consciência...

água potavel

Toda vez que abro a torneira para lavar uma louça penso nos milhões de pessoas que estão fazendo exatamente o mesmo no planeta. Isso me faz diminuir a saída de água e racionalizar meu consumo. Mas quantas destas pessoas estão também fazendo isso?

Abro o chuveiro e lá vem o mesmo pensamento de novo. Imagino os bilhões de litros de água que estão naquele exato instante descendo (moro em apartamento) canos abaixo... Novamente sou tomada de um ataque súbito de consciência e diminuo o tempo do banho e a vazão da água.

É totalmente inadmissível não se pensar no esgotamento dos recursos hídricos da Terra, embora chova muito ou ainda o nível dos oceanos estejam subindo devido ao degelo dos pólos.

Quando saio a passear com minha cachorra e vejo folgados vizinhos a regarem o jardim despreocupadamente; ou pior, a lavarem calçadas descaradamente, sinto ímpetos de desfiar impropérios sem fim e colocar em xeque-mate seus níveis de civilidade, cidadania e consciência.

O Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, emitiu um relatório alertando que o mundo vai sofrer com a falta de água doce em menos de 20 anos. O motivo? A demanda cresce em ritmo mais rápido que a população mundial. Os autores do estudo afirmaram que em menos de duas décadas a falta de água fará com que a Índia e os EUA percam totalmente suas colheitas, fazendo com que a procura por alimentos se torne praticamente uma guerra.

O mesmo relatório também calculou que no ritmo atual de derretimento, a maioria das geleiras do Himalaia e do Tibet desaparecerá até 2100. Além disso, que 70 dos maiores rios do mundo ficarão secos por causa dos sistemas de irrigação para a agricultura.

E o que mais me fere é ver que essas pessoas que abusam dos recursos do planeta, que agridem e ferem a natureza, que desperdiçam desde os versos das folhas de papéis cujas florestas foram derrubadas e litros de alvejantes foram derramados nos rios para que estas lhes chegassem alvíssimas às mãos, são as mesmas que têm vários filhos e uma prole crescente de netos. O que pretendem deixar para eles? Qual o exemplo que lhes estão dando? A meu ver, a lição que lhes estão passando garante apenas o continuísmo de seus próprios e nefastos atos.

E como acredito no “Efeito Borboleta” - teoria da realimentação onde os efeitos finais estão ligados às condições iniciais da alimentação dos dados -, é mais do que previsível qual será o resultado final de tudo isso.

Há muitos anos se vem ressaltando que o homem está destruindo a vida do planeta. De uns tempos para cá, de forma galopante. Mas será que no final a Terra poderá continuar existindo, de uma ou de outra forma? Árida, talvez transformada em pedra? E o que será extinto será o próprio homem que não encontrará mais condições propícias à sua sobrevivência? O que leva a pensar que ele está dando a sentença a si próprio... Ele é que desaparecerá... Pelo menos na forma e no tipo de matéria que se reconhece como homem...

Rosane Leiria Ávila

Publicado no Jornal Agora (http://www.jornalagora.com.br), edição 27 e 28 de fevereiro de 2010.