Uma tia querida, casada e sem filhos, durante anos a fio viveu mantendo distância de animais domésticos – apenas criava galinhas para ter sempre ovos fresquinhos para os quitutes que tanto gostava de fazer para tropa de sobrinhos e afilhados que tinha.
Pois bem. Poucos anos antes de seu falecimento adotou – e eu nem sei contar aqui como esse fato histórico se deu -, uma cachorrinha a quem deu o nome de Brigite. Seria uma homenagem a Bardot? Àquela atriz francesa linda que abandonou a carreira no auge da fama nos anos 70 para se tornar uma ativista dos direitos dos animais?
Também não sei. A realidade é que vi o coração de minha tia se derreter dia a dia até ser tomado totalmente de amor por Brigite. As conversas durante as visitas passaram a se valer das peripécias dela. Minha tia já não sabia viver sem sua cadela.
E desta o que lembro? Da paciência e sabedoria para conquistar um humano, não digo insensível a animais, mas desabituado a demonstrações puras e inesperadas de afeto.
Um dia, Brigite morreu. Ao desconsolo de minha tia se seguiu a ideia fixa dela encontrar uma outra Brigite, igual na aparência física e no jeito.
Eu achava isso praticamente impossível e qual não foi minha surpresa ao receber a notícia, meses depois, de que ela havia encontrado outro animal igual à sua amada Brigite. E que havia batizado a nova cachorrinha de “Brigite II”. Assim mesmo, como descendente de uma dinastia.
Do que lembro e soube, a troca entre as duas se tornou tão igual à anterior.
Lembrei disso tudo porque hoje, durante o almoço e tendo por companhia inseparável um focinho, quatro patas, um coração maior que o mundo e uma inteligência excepcional, pensei nefastamente no dia da sua partida! Quem já passou por isso, leu o livro “Marley & Eu” ou assistiu ao filme tem uma noção de como esse momento de separação é extremamente difícil e doloroso.
Ao descer com há alguns dias para um dos seus três passeios diários, diverti-me com a cena cômica protagonizada por ela: burlando minha vigilância ela, que está extremamente proibida de roer ossos, achou um como se fosse um tesouro escondido num lugar secreto da rua. À minha ordem para largá-lo, obedeceu prontamente. Mas logo se arrependeu e o pegou de novo. Olhou para mim, viu minha desaprovação e o soltou novamente. Depois disso, repetiu a cena quase uma dezena de vezes. E eu, já aos risos escancarados, não tinha mais autoridade alguma para lhe impor nada.
Faceira, subiu os dois andares de um fôlego só, ansiosa para entrar e começar a degustá-lo. Passou o resto da tarde e entrou a noite roendo-o, num estado total de felicidade. Quando terminou, sua cara era de quem tinha alcançado o céu por um minuto.
Como não sentir saudades quando ela partir?! Está bem, assumo: sou um caso perdido, pois sofro tudo por antecipação.
Rosane Leiria Ávila – Publicada no Jornal Agora (http://www.jornalagora.com.br) – 13 e 14 de março de 2010.