sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O tempo dentro de um sonho


A velocidade do tempo me faz compará-lo a um ato de violência. Daquela que acontece de forma inesperada e surpreendentemente. Há semanas, meu referencial comparativo de espanto se dá às quintas, quando começa a “Grande Família” e meu primeiro pensamento é: “estão doidos, o programa foi ao ar há dois dias”.
Mas não. Ele foi ao ar exatamente há sete dias; e quando me dou conta já se passaram mais sete. Juro, que não quero mais brincar com o tempo disparado. Não com esse tempo que voa, que atropela, que me dá a impressão de viver num sonho, de estar em um cometa, sei lá...
Quero um tempo parado. Um tempo com tempo para tudo. Um tempo em que os ponteiros do relógio se arrastem; mas tenho que me lembrar de colocar fora todos os digitais e ficar com aquele velho relógio na sala da avó, com tique-taque e passarinho de madeira saindo para cantar de hora em hora. A mim parecia, enquanto criança, que decorria uma eternidade entre uma e outra saída dele.
Esse tempo cibernético me rouba o tempo para jogar conversa fora com os amigos; para me deitar preguiçosamente à sombra em um dia quente fora da estação; para dar mais atenção aos meus familiares e a mim mesma; para não ter que agir sem tempo de refletir...
Quero um tempo envolto em mansidão. E quero, além de ter mais tempo para tudo, tempo para me lembrar do tempo vivido sem que pareça que nada eu tenha vivenciado. Lembro agora do filme “Um sonho dentro de um sonho” (escrito e interpretado por Anthony Hopkins , 2007), que conta a história de um ator e roteirista que teve sua vida sempre no limiar de duas existências: a da realidade e a de seu mundo interior. Enquanto escreve, vê seus personagens aparecerem repentinamente em sua vida. A partir daí, perde a capacidade de discernir o real do irreal e seu cérebro o leva à beira de um colapso.
Essa velocidade da qual o tempo se utiliza e a qual eu tenho que me moldar, me dá a impressão exata de viver picos de consciência inseridas em cenas diáfanas cotidianas: o dia mal amanheceu e já está na hora do almoço; almoço e parece que recém comecei uma tarefa e já está na hora do café da tarde; mal este acaba e já é noite. E tão logo ela se instala e já chega o primeiro bocejo alertando que está na hora de ir para a cama. Olho para o relógio e já são 1h da madrugada. Tento me lembrar do dia, mas parece que foi um sonho...

(Por: Rosane Leiria Ávila, publicada no caderno Mulher (http://mulher-jornalagora.blogspot.com), do Jornal Agora (www.jornalagora.com.br)

Em cartas inéditas, Dostoiévski dá lições de humanidade

O tradutor Robertson Frizero no lançamento do livro (crédito: Rosane L. Ávila)

Imagem da capa

Poucos escritores conseguiram trabalhar suas tragédias pessoais com tanta humanidade quanto Dostoiévski. Suas cartas ganharam tradução inédita em português em lançamento da Editora 8INVERSO.

O lançamento da obra aconteceu no auditório da Livraria Cultura do Shopping Bourbon Country, em Porto Alegre, no dia 15 de agosto último. O livro Dostoiévski – Correspondências – (1838-1880), do tradutor Robertson Frizero, atraiu a atenção do público que lotou o local para a breve apresentação e leitura de fragmentos da obra.

O evento contou ainda com a participação especial do ator Marcelo Almeida na leitura dramática de alguns trechos da obra, publicada pela Editora 8INVERSO. Esta é a primeira vez que uma coletânea de cartas do grande autor russo é publicada em língua portuguesa.

Antes, porém, o editor Cássio Pantaleoni fez uma breve introdução do empreendimento, considerado ousado tanto pela tradução quanto pelo próprio projeto editorial.

Fundada em 2008 por Pantaleoni, também escritor e filósofo, a Editora 8INVERSO tem como foco a qualidade em primeiro lugar, e ainda este ano deverá lançar mais três títulos de peso. “Nosso intuito é recuperar algo que foi perdido no mercado literário”, justificou o editor.

Tanto o editor quanto o tradutor ressaltaram a importância da obra e a riqueza de suas referências. "É um livro projetado para proporcionar um conhecimento mais aprofundado sobre o interior deste autor russo, bem como fornecer dados sobre época, personalidades e situações que permeiam a biografia de Dostoiévski".

Para o tradutor Frizero, o conteúdo das cartas revela bem mais sobre a personalidade de Dostoiévski, daquela que o mundo literário já conhecia. "Nas cartas são mostradas não só sua intimidade, através de suas fraquezas, tristezas ou culpas, mas também fatos marcantes que influenciaram fortemente sua formação como escritor. Muitos, refletidos em personagens e situações descritas em sua obra”.

Segundo ainda Frizero, o leitor terá uma oportunidade de desfrutar de uma verdadeira aula sobre o que é ser um escritor. Através das cartas do escritor, é possível se conhecer o que se passava com o autor no momento em que ele estava fazendo literatura. Elas falam sobre o dinheiro escasso para escrever; na pobreza vivida; na melancolia que o assolava. Também sobre a dificuldade de expor seus sentimentos, embora os sentisse com intensidade.

Selecionar em torno de 250 cartas e traduzi-as foi um processo bastante difícil, contou Robertson Frizero. “Ainda mais tendo o cuidado de respeitar os tons com que foram escritas”, disse ele. O livro mostra a formalidade ou informalidade de Dostoiévski, conforme as cartas se apresentavam.

Para tornar a leitura mais compreensível para o leitor, o livro foi dividido em quatro sessões, que levou em conta alguns critérios como: fatos da vida pessoal dele, o processo como escrevia e trabalhava os textos; os fatos que ocorriam na Rússia e as análises feitas pelos escritores sobre o cotidiano do povo russo.

Através das cartas o leitor se emocionará ao ver o amor de Dostoiévski pelo seu irmão mais velho e seu melhor amigo (que também tinha pretensões literárias); sua paixão contida por uma senhora casada e que viria a se tornar sua esposa após a viuvez dela. Ou se revoltará com os relatos de sua prisão e a tortura mental de sua sentença de morte. Junto com outros presos, ele foi levado aos rituais finais de execução, cancelada no último segundo. O ato foi uma encenação para possibilitar a expressão de um “generoso perdão” do Czar. Esse fato, contou o tradutor, causou um grande impacto em Dostoiévski.

Vieram depois o exílio e a tragédia pessoal vivenciada pela perda da filha Sonia. Ela morreu com apenas três meses de idade, em Genebra, no dia 18 de maio de 1868. Para ele, um fato irreparável do qual custou a se recuperar. Ou não se recuperou, já que descrevia seu sofrimento com intensidade, assim como o imenso amor dela por ele, apesar da tão tenra idade.

“Enfim, poucos escritores conseguiram trabalhar suas tragédias pessoais com tanta humanidade. Dostoiévski fala de tudo em seus personagens e em sua literatura. O livro é um convite para que se conheça sua obra”, encerrou Frizero. A obra oferece também um interessante panorama sobre o meio literário do século XIX.

Em um banal desabafo ao irmão, escrito em 17/09/1846, já que ele próprio solicitava uma correspondência mais ativa entre os dois, Dostoiévski, diz: “Cartas são um absurdo; apenas farmacêuticos escrevem cartas”. E graças a isso ser desabafo destituído de qualquer intenção contrária, é que o leitor pode desfrutar da grandeza literária desse grande escritor russo, trazida à luz no mundo da literatura por essa profícua correspondência.

O lançamento neste mês de agosto, oito no calendário, foi totalmente intencional, segundo Cássio Pantaleoni. “Tudo precisou ser feito muito rápido para aproveitar a data, já que tem tudo a ver com o nome da 8INVERSO”, revelou o editor. (Por: Rosane Leiria Ávila)


SERVIÇO:

Dostoiévski – Correspondências - (1838-1880)

Tradução: Robertson Frizero

248 páginas - R$ 54,00

Editora 8INVERSO