domingo, 2 de maio de 2010

Juriti, o cão-carteiro

cao - ilustracao cronica

Ele chegou à casa da fazenda levado por um empregado que o encontrou, pequenininho, sozinho e perdido na estrada de terra batida. E longe, muito longe de qualquer civilização.
Tão pequeno que ainda mamava. E como não tinha mãe, foi criado pelo dono da casa com a mamadeira que havia ficado guardada num canto do armário, quase mofada, depois que a filha cresceu.
A vida que tinha iniciado de forma azarada, sorriu para Juriti. Sim, ele recebeu esse nome meio estranho, não sabia tirado de onde. Porque, mesmo sem o leite materno, sorvia com sofreguidão a mamadeira repleta de leite recém tirado das vacas ou das cabras.
Juriti crescia mais rápido que o tempo, e em poucos meses se tornou um cão alto, com pêlo duro e branco e magníficas orelhas pretas, o que lhe conferia um charme todo especial.
Também logo em seus primeiros dias na casa despertou a atenção de todos para sua inteligência: não havia coisa que não aprendesse rapidamente. E, muitas vezes, apenas com um ou dois ensinamentos.
Tomou gosto por tudo – corria atrás das galinhas por puro divertimento, pois era de boa índole e nem lhe passava pela cabeça machucar qualquer uma delas. Os coelhos, quando saíam das tocas, também eram motivo de correrias e brincadeiras de Juriti. Isso sem falar que simpatizava especialmente com aquelas que lhes forneceram o substancioso leite que o criou forte e belo: as vacas.

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E era com elas que Juruti passava longos períodos no campo, ajudando na hora de salvaguardá-las dos perigos à noite, assim como as cabras. Com uma performance tão amigável e inteligente, Juriti foi um dia convidado a sair na charrete da casa que fazia às vezes de correio ou transporte de mercadorias.
Pois então! Foi através desses passeios de charrete que Juriti ‘conheceu o mundo’ e ganhou o gosto de se afastar por longas horas da casa da fazenda. Passou a sumir um dia, para voltar no seguinte. Depois, por dois dias, três... No início, todos se preocuparam. Mas como ele sempre voltava, relaxaram.
Bem, relaxaram não é o termo mais apropriado. Na verdade, tiveram a feliz ideia de o transformarem num ‘cão-correio’. Naquela época – ah, esqueci de dizer antes que a história se passou há uns 70 anos e foi resgatada na memória de minha mãe -, as coisas eram mais complicadas e uma casa ficava distante de outra várias léguas. Tudo era longíssimo. Mas bastava dizerem pra ele: “vai” e ele ia, atravessando campos e campos...
Então, Juriti passou a trabalhar também como entregador de bilhetes. Fizeram-lhe, sob medida, uma carteirinha de couro presa a uma coleira. Nela, tomaram o hábito de uma vez por semana escrever aos amigos na vizinhança.
E Juriti, unindo o útil ao agradável, estufava-se de orgulho com tão importante missão. As semanas e meses se passavam entre entregas para lá, respostas para cá. Todos elogiavam o trabalho do cão-carteiro.
Todos, não. Uma alma virada do avesso resolveu fazer uma brincadeira de mau gosto e interceptar uma entrega. No meio do caminho, atraiu a atenção do cão, fez-lhe um afago, deu-lhe um biscoito e substituiu o afável bilhete que ele levava por outro, repleto de palavrões.
Sem nada desconfiar, Juriti seguiu seu caminho até a casa onde a correspondência se destinava. Mas, qual não foi sua surpresa ao ver, minutos após a entrega, esta ser lida aos gritos, ao invés das amabilidades tão costumeiras. A dona da casa chamou a filha, que chamou o irmão, que chamou o pai. O conteúdo do bilhete obsceno deixou todos chocados. E eles decidiram escrever outro em troca, cortando os laços de amizade com seus tutores. 
Juriti sabia que algo horrível havia acontecido. Cabisbaixo, voltou para sua casa levando o dobro do tempo no percurso, tamanho era o seu abatimento. A brincadeira de mau gosto pôs fim à sua carreira de mensageiro e a ele nunca mais foi confiada missão semelhante.
Até morrer, alguns anos mais tarde, Juriti não compreendeu o quê havia feito para ter seu trabalho suspenso.
Rosane L. Ávila

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