domingo, 8 de agosto de 2010

Intervenções urbanas


Você sabe o que são flash mobs? Até bem pouco, eu também não sabia. Essa nova informação – pelo menos pra mim - estava em minha caixa de correspondência há alguns dias. Flash mobs são propostas para despertar o olhar e a mente automatizados pela rotina estressante das grandes cidades. Algumas manifestações são previamente combinadas pela internet.


Levantando bandeiras sociais, comportamentais e ambientais, os flash mobs promovem o encontro de desconhecidos unidos em torno de uma causa, imbuídos por um esforço nobre que procura reverter o isolamento das pessoas.


Desconhecido não só para mim, mas também para a grande maioria das pessoas, tem conquistado cada vez mais adeptos.

 
O primeiro desses movimentos é em relação aos livros. Segundo o idealizador do projeto “Livro Livre”, Felipe Meyer, “livros não são objetos de decoração e devem percorrer um caminho”. Por conta disso, o paulistano passou a se deparar com livros propositadamente esquecidos por alguém em bancos de praças ou pontos de ônibus.


O conceito é inspirado no projeto Bookcrossing, criado em 2001 nos EUA. Ao todo, conta com 600 mil participantes em cerca de 130 países. Lembro de uma reportagem apresentada por Ana Maria Braga sobre um movimento semelhante há uns dois anos. Pena que de lá para cá, as atitudes nesse sentido no Brasil ainda sejam tímidas, pois o movimento esbarra em entraves econômicos e sociais.



Gentileza às escuras


O segundo movimento é o Café do Próximo, uma corrente surgida há três anos na qual o cliente deixa pago também um cafezinho para o cliente seguinte, o qual desconhece totalmente.

Motivada, a dona de um café na Vila Madalena, em SP, Beth Guido, resolveu acatar a sugestão do psicólogo Marcos Fleury, que conhecera a prática na Livraria Argumento, no Rio. “Pagar o café para alguém é uma demonstração simbólica de afeto”, define ela. Para o psicólogo, por meio dessa gentileza às escuras os adeptos também se aproximam das outras pessoas, mesmo que não conheçam seus rostos.


Embora tenha quem ainda se surpreenda com a proposta do estabelecimento, a lousa gasta onde ficam anotados os cafés ofertados gratuitamente, é prova do sucesso da ação.



Iluminação urbana


O terceiro flash mobs é o batizado de “Iluminação Urbana”. Em trajes sociais, as transeuntes vão se juntado à meditação do grupo Influenza (nome dado numa paródia ao do vírus H1N1), em plena Avenida Paulista. A meditação é feita na hora do rush para chamar a atenção das pessoas, valendo-se do silêncio em meio à balbúrdia de final de expediente. “Ao invés de lutarmos por uma revolução externa, buscamos uma revolução interna: a tranqüilidade em meio ao caos”, justifica o artista Alexandre Paulain, um dos criadores do grupo Influenza.


A prática da meditação geralmente está associada a imagens de ambientes zen, por exemplo. Imaginar-se algo assim em meio a um caos urbano é, no mínimo, estranho. Mas essa intervenção pacífica está sensibilizando não só participantes e pedestres: até mesmo menores de rua que, em paz, aproximam-se do grupo.

São pequenas atitudes revestidas de grandes gestos, mas capazes de tornar a vida melhor em qualquer lugar e a qualquer hora.

Rosane Leiria Ávila


Publicada no Jornal Agora  wwww.jornalagora.com.br- 25 de julho de 2010

Roupa para a alma


Nesta semana de temperatura extremamente gélida, algo me lembrar de minha infância - ele mesmo, o frio. Resgatado por uma prática assumida em momentos de crise: a de colocar a roupa que vou vestir próxima a uma estufa para aquecê-la. É uma sensação muito agradável... Parece um carinho!

Na verdade, é um carinho. Na minha infância, o de minha mãe que, zelosa ou temerosa que eu ou minhas irmãs ficássemos doentes no inverno, tinha o costume de esquentar as roupas que vestiríamos após o banho, quando pequenas. Ou mesmo não tão pequenas, porque bastava que estivéssemos um pouco resfriadas e o velho ritual já era colocado em voga.



Não sei se ela ainda se lembra disso. Mas eu sim, e reeditei o velho costume neste inverno que, para o meu desconforto, ainda está longe do fim.


- Tem feito muito frio, até mesmo para um gaúcho, segredou-me um velho senhor dividindo comigo o estreito balcão de uma cafeteria apinhada de gente, na tarde fria da última quinta.

- Ou talvez porque a temperatura no inverno tenha se elevado e as próprias estações por vezes fiquem indefinidas, é que sintamos tanto quando voltamos aos tempos de invernais de outrora, com imagens de geadas nos campos, de sensações doídas de vento como navalha na pele, ilustrou ele a sua própria afirmação.

- Mas o frio tem o seu lado bom, retrucou uma mulher, atenta à nossa conversa de balcão. “Estamos aqui bem agasalhados, tomando um cafezinho fumegante muito gostoso. Em minha opinião, todos ficam mais elegantes no inverno. Há prazeres que o verão nos rouba”, completou.


O interlocutor olhou para ela e sua vontade de faltar com o respeito que o avanço de idade permite, quase aflorou. Mas se conteve e conseguiu lhe perguntar, entre dentes:


- A senhora olha à sua volta quando sai à rua? Percebe os que dormem nas calçadas? As crianças? Os animais? Enquanto abrigada confortavelmente em suas roupas consegue pensar naqueles que poucas têm para se cobrir? Que se vestem com trapos e farrapos? E que, além disso, também não podem tomar um café quente ou fazer uma refeição mais calórica?

A essa altura, além de nós dois, a conversa passou a interessar quem estava em volta.

A mulher ficou em silêncio, sorvendo os últimos goles de seu café. Depois, vagarosamente pousou a xícara sob o balcão, pegou as luvas dentro da bolsa e começou a vesti-las, sem pressa. Deduzi que o café já estava pago porque ela deu alguns passos em direção à saída, parando na frente dele.

- Não julgue nem acuse sem o conhecimento da verdade. Para onde o senhor vai quando sair daqui?

- Ora, vou para casa assistir tevê. Reunir-me com a família e, mais tarde, tomar uma deliciosa sopa no pão, especialidade de minha mulher. Acompanhada de um bom cabernet, é claro. Mas o que isso tem a ver com a nossa conversa?



- Quase nada... Nada mesmo. Só que daqui eu vou me encontrar e trabalhar voluntariamente com um grupo que socorre pessoas em situações de risco por causa do frio. Distribuímos roupas para o frio e para a alma. Além de café quente e lanche.


Depois disso, virou-se e saiu. Silêncio e sorrisos amarelos. Quase todos fazendo um ‘me culpa’ e pensando em suas próprias atitudes. Ou na ausência delas.

Rosane Leiria Ávila
Publicada no Jornal Agora http://www.jornalagora.com.br/- 17 de julho de 2010

Insights e sonhos


Escutei o relato abaixo durante uma palestra há algum tempo e rabisquei num bloco que resgatei esta semana.


A mulher tinha o mesmo sonho durante muito tempo em sua vida: estava na frente de um templo junto com um grupo, mas não pertenceia a ele. Depois de uma breve combinação, o grupo entrava, mas ela não. Não entrava porque tinha medo. E tinha medo porque sabia que estava morta e o seu corpo estava enterrado lá dentro.

 
Anos mais tarde, ela, professora de artes plásticas, acompanhou o marido, também professor, em um estágio na Espanha. Numa tarde, enquanto o marido estudava, ela resolveu caminhar sem um destino definido. E de repente, viu-se diante de um templo. Para sua estupefação, o mesmo que aparecia em seus sonhos. Na frente do prédio, um grupo de turistas que se reunia à volta do guia para acertar detalhes da visita ao local.


Ela se sentiu como se estivesse pregada ao chão. Paralisada pelo medo, não teve coragem de entrar com o grupo. Todos entraram, mas ela ficou ali durante um tempo que lhe pareceu interminável. Fechou os olhos e sua mente começou a mesclar imagens lá de dentro com a rua onde ela estava. Durante um longo período ela ficou parada decidindo o que deveria fazer. Receava que assim como o sonho lhe mostrou, seu corpo estivesse enterrado lá dentro.

Mas foi que, de repente, a professora de artes conseguiu enxergar que aquela era uma oportunidade única em sua vida nesta vida. E que talvez não viesse a se repetir. Então, resolveu entrar no templo e visitar as clausuras. E teve uma regressão a uma vida passada de forma espontânea, na qual enxergou a si própria como um monge que viveu naquele tempo. Num insight, viu que o claustro antes era um jardim cheio de rosas, com borboletas e passarinhos. Emocionou-se e agradeceu aquele momento orando por todos os monges.


Para mim, os sonhos são valiosos e podem elucidar muitas situações, conflitos, vivências. Também são veículos de nos conectar com o EU interior. E muitas vezes, podem ser usados como ‘passaportes para outras vidas’. Como o da professora. Aos meus, dou relevante importância e deles muitas vezes extraio bastante do que escrevo. No quarto, na mesinha junto ao abajur, há um bloco em lugar cativo e uma caneta a postos à espera de um bom sonho.

Rosane Leiria Ávila
Publicado no Jornal Agora http://www.jornalagora.com.br/ - 11 julho de 2010