sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Dar é bom, mas às vezes nos arrependemos


Dar é bom. Mas às vezes você acha que fez besteira e bate uma sensação de arrependimento... Acorda numa fria e manhã de domingo no auge do inverno, se perguntando por que se desfez daquele magnífico casaco de pura lã, produzido por uma marca tradicional já extinta e usado tão poucas vezes! Mesmo que o modelo fosse clássico, pois, para roupas caras o investimento só vale a pena para peças que em tempo nenhum sairão da moda.Pensar também que você jamais voltará a adquirir um modelo semelhante, até porque o fabricante já não existe mais, a poderá ainda deixá-la um pouco mais para baixo.Mas aí, como tortura pouca é bobagem, você aproveita para também pensar naquele blazer xadrez de linho puríssimo, de uma das mais conceituadas griffes mineiras e que era o objeto de desejo de suas amigas... Neste caso específico, você recorda que o corte dele tinha saído de moda. Mas, ora bolas! Moda vem e vai e vem de novo! Por que não esperar o retorno?Porque certas peças do nosso vestuário, apesar de ainda perfeitas e atenderem ao fim ao qual foram feitas, nos incomodam tanto quanto palavras mal ditas (ditas num impulso sem pensar)... Ou seriam malditas (no sentido de malignas)? Algumas roupas em nosso armário acabam, por nossa imaginação, carregadas de cargas emocionais. A manhã fria, fruto de sucessivos dias chuvosos, me fez lembrar ainda o quanto aquele casaco me aquecia e me dava a agradável sensação de calor de colo de mãe. Mas, que foi, a certa altura, substituída pelo desconforto de lembranças que deviam ser deixadas no passado, como páginas de um livro que jamais voltaria a folhear. O que me serviu de consolo no ataque saudosista daquela manhã, foi imaginar o quanto o casaco estaria aquecendo outra pessoa. Dar para esquecer, imagino ser uma das causas de se vincular fatos vivenciados aos objetos. Se eles foram agradáveis, é provável que se leve mais tempo para praticar o desapego... Se trazem à tona lembranças não muito boas (mesmo não traumáticas), ou suaves como a de uma juventude diáfana, então o que se deseja mesmo é tirá-los dos armários e do alcance dos olhos, a exemplo das velhas fotos em papel que particionam nossa história. Escondidas no fundo de um armário em álbuns que não foram manuseados nos últimos cinco ou dez anos, provavelmente também não o serão nos próximos 20. E de lá só sairão à luz do dia manuseados por nossa terceira geração, provavelmente, quando já não mais estivermos por aqui. E nem mesmo nossos descendentes vão querer guardá-las. Afinal, agora a vida é virtual e o mundo todo a guarda no Orkut.


Rosane Leiria Ávila