O que me assombra? No momento em que escrevo é esta quarta-feira. Exatamente por já ser ela a metade da semana, por já ser metade do ano, por ter decorrido mais da metade do tempo que tenho pra viver. Em suma, metade de tudo...
Escrevi “tempo pra viver?” Será que dá para brincar com isso, deixando Deus à margem e todas as leis que regem o universo criado por ele, tomando as rédeas da contagem dos dias que ainda me faltam?
A questão é: se isso fosse possível para mim e para todos, o que faríamos exatamente? Qual seria a nossa primeira reação? Prazer por termos poder para ampliarmos o prazo? Uma melhor consciência de como aproveitarmos melhor o tempo que nos resta para fazer coisas úteis, boas e realmente importantes?
O tempo passa mais depressa que nossas expectativas em relação às etapas da vida. E das quais não conseguimos fugir por mais que tentemos burlar a receita prescrita: nascimento, infância, adolescência, juventude, maturidade, velhice e morte.
Embora na juventude possamos pensar no tempo como algo infinito, a verdade é que ele é uma viagem sem volta a cada segundo.
Alias, pensando melhor, tudo na vida tem apenas tickets de partidas sem regressos. Mesmo quando achamos que podemos voltar atrás para nos desculpar com quem magoamos; ou quando tentamos retomar a atenção que negligenciamos quando envoltos no emaranhado das atribuições cotidianas... Quando não encontramos tempo para ir ao encontro do nosso melhor amigo. Quando deixamos tudo para o outro dia, e deste dia para o outro, parando apenas quando sacudidos pelo inesperado – não tão inesperado assim – de que ele já não está mais lá para nos receber com o seu abraço afetuoso, com suas palavras confortadoras, com seu sorriso largo!
O tempo não perdoa nem rebobina o filme para rostos bonitos e corpos esculturais, por mais que a medicina estética avance. Essa inconformidade na aceitação da passagem do tempo só gera arremedos de belezas de outrora, que poderiam continuar sendo belos somente sob um novo olhar.
Rugas e linhas de expressão podem tornar rostos tão belos quanto os de vinte e poucos anos, porque são talhadas pelas experiências de vida e sabedoria.
Quem não repara nos excessos de botox em lábios engraçadamente revirados; nas bochechas salientes, redondas e rosadas quase prestes a explodirem? Ou não olha de soslaio para os seios absurdamente empinados e siliconizados da senhora com mais de 70, na fila do caixa no supermercado?
Na verdade, meu maior assombro da semana foi chegar ao restaurante ontem e saber que a gerente, 27 anos e mãe de um bebê com seis meses, havia morrido no início da manhã, saindo de casa para o trabalho, de repente... Do coração...
E ela nem estava na metade do tempo de vida que poderia viver.
Rosane Leiria Ávila
Publicado no JORNAL AGORA