terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Caminhos que se cruzam



Cidade de Porto Alegre. Sábado, véspera de Natal, 8h. No intenso tráfego de pessoas da Estação Rodoviária uma mulher ainda jovem aguarda, na plataforma de desembarque, alguém chegar. Tem o olhar carregado de ansiedade e expectativa...
Não muito distante dali, uma menina com idade aproximada de 12 anos dorme no portal de uma vidraça de setor de venda de bilhetes. Cabelos emaranhados e roupas sujas e amassadas denunciam sua permanência nas ruas. Aperta um cão junto ao peito, provavelmente, única companhia confiável em sua vida.
Do outro lado da Estação, um senhor tenta caminhar mais depressa do que a idade lhe permite, para embarcar em um ônibus cuja última chamada já foi feita no alto-falante. Receia não chegar a tempo, e esse temor lhe está estampado no semblante contraído.
A mulher aguarda quem nunca virá para o Natal: há sete anos espera pela mesma pessoa. Se desembarcar do ônibus proveniente de Santo Ângelo no dia 24 de dezembro, significa que decidiu pôr fim a casamento e iniciar um outro... Desta vez, com ela. Como nos últimos natais, suplica ao céus e aos seus santos favoritos o 'seu presente' de Natal.





O idoso quer retornar para a cidade de Santo Ângelo para passar a data natalina com o filho. Não carrega bagagem. Nas mãos, apenas o presente para ele – a camiseta do seu time favorito e com a qual cobrirá sua lápide... Há dez anos, desde que o filho morreu tragicamente numa briga entre torcidas durante um jogo de futebol, ele vem religiosamente à capital comprar a camiseta na sede do clube, e levá-la assinada por um jogador do time. A assinatura muda a cada ano, mas não a reverência do pai ao filho. Relembra que este foi o primeiro pedido do filho feito ao Papai Noel. Desde então, não houve um ano em que ele não ganhasse a camiseta do timão.






A menina veio de Vitória das Missões, município pertencente à Microrregião de Santo Ângelo. Fugiu da avó para procurar sua mãe na cidade grande. Burlou a atenção dos funcionários da empresa rodoviária de sua cidade e embarcou na aventura de procurá-la. Mas, ao invés disso, encontrou uma realidade mais dura que o mais duro dos seus sonhos. Perdeu a inocência na primeira semana, mas ainda preserva o sonho de um dia encontrar sua mãe. Debaixo do blusão que lhe serve de travesseiro, está a carta que escreveu ao Papai Noel pedindo que a mãe passasse por ali, a visse e a levasse pra casa. Ou então, que a ajudasse a ir de volta para a casa da avó. Tem fé de que será atendida.
O ônibus chegou e o outro partiu. Um sem trazer quem tanto a mulher esperava. O outro sem levar o senhor à lápide fria da morada do filho. Desalentados, os dois se encaminham para a frente da Estação Rodoviária buscando dar outro rumo às suas vidas. Por um momento, eles se detêm diante da menina. A mulher apenas a olha, como se não a visse realmente. Mas o senhor lhe estende a mão e lhe dá uma nota de cinquenta reais, afinal, é Natal... A garota lhe agradece, quase não acreditando. Poderia, enfim, voltar para casa! O senhor lhe pergunta e nome e lhe diz o seu: são respectivamente José e Maria.
A cidade enfeitada por milhares de luzes multicoloridas engoliu suas histórias. Na dança frenética do estresse natalino, poucos percebem que o verdadeiro espirito de Natal não está contido nos presentes que darão ou receberão. E que o mais poderoso deles é um gesto de amor. Por mais simples que seja sua 'embalagem'...

Por: ROSANE LEIRIA ÁVILA
rosaneleiria@gmail.com