O dia estava já estava escaldante pela metade da manhã. As sombras nas calçadas tentavam se esconder do sol. Uma mulher clara, de pele alvíssima, e uma menina caminhavam tentando se proteger nas riscas sem luz solar que ainda restavam no passeio.
Ela tinha um lenço nas mãos que de quando em vez levava às costas, em pequenas e suaves batidas. Atrás, a poucos passos das duas, o fato chamou a atenção de outra mulher, que ao alcançar a dupla comentou:
- Calorão, não? Só mesmo se abanando para driblar.
A mulher olhou para outra dividida entre a surpresa da abordagem e o próprio comentário em si. Talvez até mesmo pelos dois...
- Não é para me abanar, senhora. É para aliviar o incômodo e a dor, respondeu.
A interpelante reparou, então, nas enormes bolhas em suas costas. Sentiu-se condoída, mas também curiosa.
- O que lhe aconteceu? Queimadura pelo sol?, perguntou.
- Não, respondeu-lhe a mulher. É uma doença e estou vindo da igreja onde fui levar a receita para o pároco me ajudar com os remédios. Mas ele disse que não tinha dízimo e que eu voltasse na próxima semana...
A mulher se espantou. Como isso poderia ser possível? Embora não fosse médica, enfermeira ou trabalhasse na área da saúde, intuía que as lesões eram sérias. E que poderiam vir a se tornar mais sérias ainda. Decididamente, esperar uma semana era algo impensável.
Pediu a receita e com ela em mãos atravessou a rua em direção a uma farmácia. A poucos passos dela, a mulher e a menina a seguiram.
À atendente no balcão solicitou um orçamento das medicações. Começou a se sentir nervosa, pois também não tinha muitos recursos no momento. Na verdade, tinha na carteira apenas o suficiente para a sua manutenção naquele dia – transporte e alimentação.
- São R$ 22,50, disse-lhe a atendente. Ela apertou os lábios, apreensiva. Tudo o que tinha eram R$25. Olhou para a mulher e viu em seus olhos a humildade com que ela lhe agradeceria, mesmo que não comprasse os remédios.
- Vou levar, disse.
A mulher quase não acreditou e enfileirou palavras de agradecimento.
Por seu lado, ela pensava em como lidaria com o problema que agora criara para ela. Estava sem cartões ou cheques. Bem, pelo menos tinha dinheiro para chegar em casa, pensou.
- Posso fazer algo mais pela senhora? – perguntou já na porta da farmácia, despedindo-se delas.
- Por mim, não. Nem tenho palavras pra lhe agradecer. Mas minha filha está se queixando de sede há horas, e nós saímos muito cedo de casa e estamos caminhando há muito tempo.
A mulher reparou na menina. Loira, olhos enormes e azuis, rosto angelical e cabelos encaracolados. Meiga, linda e como a mãe, humilde nas vestes e nas atitudes, como se quisesse que o mundo não reparasse nela. Imaginou – ou falou em voz alta -, que ela deveria ter por volta de 8 anos.
- Tem 10, assegurou-lhe a mulher.
Bem como ela imaginava. Subnutrida... Comprou uma garrafa de água mineral e estendeu à menina, que murmurou vários agradecimentos.
Despediu-se e saiu caminhando pelo sol que já tomava toda a rua. Ela agora tinha um problema maior, pois seus últimos R$2,5 que lhe pagariam o custo do transporte usara para pagar a água.
Respirou fundo. Olhou para o céu de um azul profundo e pensou em como estava se sentindo maravilhosamente bem. Muito melhor do que antes, quando ainda tinha os R$ 25. Pensou em Deus e agradeceu por ser ela a estender a mão a alguém.
Virou a esquina, caminho alguns passos e escutou chamarem seu nome. Um carro parou no meio-fio e ela reconheceu a colega de trabalho.
Entre, Teresa. Vou lhe dar uma carona, pois estou indo para o lado onde você mora... E, olha... Eu estava querendo comprar biscuits para dar de presente a uma amiga que faz aniversário no sábado. Você tem algum?
Ela, nas poucas horas vagas, e às vezes, madrugada a dentro, trabalhava com artesanato para aumentar sua renda.
Tenho, respondeu. Entrou no carro e agradeceu mais uma vez a Deus. Seu dia estava duplamente premiado.
Rosane Leiria Ávila
Publicado no Mulher Interativa (Jornal Agora) http://www.jornalagora.com.br/site/index.php?caderno=48¬icia=77932
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