sábado, 20 de fevereiro de 2010

Sol e sombras

sol e sombra

 

O dia estava já estava escaldante pela metade da manhã. As sombras nas calçadas tentavam se esconder do sol. Uma mulher clara, de pele alvíssima, e uma menina caminhavam tentando se proteger nas riscas sem luz solar que ainda restavam no passeio.

Ela tinha um lenço nas mãos que de quando em vez levava às costas, em pequenas e suaves batidas. Atrás, a poucos passos das duas, o fato chamou a atenção de outra mulher, que ao alcançar a dupla comentou:

- Calorão, não? Só mesmo se abanando para driblar.

A mulher olhou para outra dividida entre a surpresa da abordagem e o próprio comentário em si. Talvez até mesmo pelos dois...

- Não é para me abanar, senhora. É para aliviar o incômodo e a dor, respondeu.

A interpelante reparou, então, nas enormes bolhas em suas costas. Sentiu-se condoída, mas também curiosa.

- O que lhe aconteceu? Queimadura pelo sol?, perguntou.

- Não, respondeu-lhe a mulher. É uma doença e estou vindo da igreja onde fui levar a receita para o pároco me ajudar com os remédios. Mas ele disse que não tinha dízimo e que eu voltasse na próxima semana...

A mulher se espantou. Como isso poderia ser possível? Embora não fosse médica, enfermeira ou trabalhasse na área da saúde, intuía que as lesões eram sérias. E que poderiam vir a se tornar mais sérias ainda. Decididamente, esperar uma semana era algo impensável.

Pediu a receita e com ela em mãos atravessou a rua em direção a uma farmácia. A poucos passos dela, a mulher e a menina a seguiram.

À atendente no balcão solicitou um orçamento das medicações. Começou a se sentir nervosa, pois também não tinha muitos recursos no momento. Na verdade, tinha na carteira apenas o suficiente para a sua manutenção naquele dia – transporte e alimentação.

- São R$ 22,50, disse-lhe a atendente. Ela apertou os lábios, apreensiva. Tudo o que tinha eram R$25. Olhou para a mulher e viu em seus olhos a humildade com que ela lhe agradeceria, mesmo que não comprasse os remédios.

- Vou levar, disse.

A mulher quase não acreditou e enfileirou palavras de agradecimento.

Por seu lado, ela pensava em como lidaria com o problema que agora criara para ela. Estava sem cartões ou cheques. Bem, pelo menos tinha dinheiro para chegar em casa, pensou.

- Posso fazer algo mais pela senhora? – perguntou já na porta da farmácia, despedindo-se delas.

- Por mim, não. Nem tenho palavras pra lhe agradecer. Mas minha filha está se queixando de sede há horas, e nós saímos muito cedo de casa e estamos caminhando há muito tempo.

A mulher reparou na menina. Loira, olhos enormes e azuis, rosto angelical e cabelos encaracolados. Meiga, linda e como a mãe, humilde nas vestes e nas atitudes, como se quisesse que o mundo não reparasse nela. Imaginou – ou falou em voz alta -, que ela deveria ter por volta de 8 anos.

- Tem 10, assegurou-lhe a mulher.

Bem como ela imaginava. Subnutrida... Comprou uma garrafa de água mineral e estendeu à menina, que murmurou vários agradecimentos.

Despediu-se e saiu caminhando pelo sol que já tomava toda a rua. Ela agora tinha um problema maior, pois seus últimos R$2,5 que lhe pagariam o custo do transporte usara para pagar a água.

Respirou fundo. Olhou para o céu de um azul profundo e pensou em como estava se sentindo maravilhosamente bem. Muito melhor do que antes, quando ainda tinha os R$ 25. Pensou em Deus e agradeceu por ser ela a estender a mão a alguém.

Virou a esquina, caminho alguns passos e escutou chamarem seu nome. Um carro parou no meio-fio e ela reconheceu a colega de trabalho.

Entre, Teresa. Vou lhe dar uma carona, pois estou indo para o lado onde você mora... E, olha... Eu estava querendo comprar biscuits para dar de presente a uma amiga que faz aniversário no sábado. Você tem algum?

Ela, nas poucas horas vagas, e às vezes, madrugada a dentro, trabalhava com artesanato para aumentar sua renda.

Tenho, respondeu. Entrou no carro e agradeceu mais uma vez a Deus. Seu dia estava duplamente premiado.

 

Rosane Leiria Ávila

Publicado no Mulher Interativa (Jornal Agora) http://www.jornalagora.com.br/site/index.php?caderno=48&noticia=77932

Blog Mulher Interativa http://mulher-jornalagora.blogspot.com/

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Como as pessoas fazem amor?

livro How the World Makes Love - Franz Wisner

Para responder esta pergunta, o americano Franz Wisner decidiu viajar pelo mundo colhendo informações a respeito. O objetivo? Descobrir como homens e mulheres de diversas partes do mundo tratam a afetividade. O motivo? Dor de cotovelo se presume, pois a ideia surgiu depois que ele foi abandonado por sua noiva no altar.

Wisner não se fez de rogado nem virou o nariz para etnias. Rodou o mundo e entrevistou todo o tipo de pessoa. Sua experiência virou livro, é claro: “How the World Makes Love?” (Como o mundo faz amor?). Mas este ainda não chegou ao Brasil.

A ideia de viajar e depois escrever um livro, ou deliberadamente viajar para escrever não é nova, não é a primeira e nem será a última. Mas admito que deva ser uma delícia. Há dois na lista dos mais vendidos com o livro “Comer, Rezar e Amar”, a jornalista americana Elizabeth Gilbert também saiu pelo mundo em busca de si mesma depois de desfazer um casamento e, na sequencia, sofrer uma grande desilusão amorosa.

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Diferentemente de Wisner que ampliou seu laboratório a vários povos, Elizabeth elegeu três países onde passou um ano: Itália, Índia e Indonésia. Em Roma, conta que viveu os meses mais felizes de sua empreitada, engordou 11 quilos e aprendeu a língua. Na Índia, dedicou-se à devoção e com a ajuda de um guru espiritual viveu quatro meses de contínua exploração espiritual. Já na Indonésia (Bali) vivenciou a arte do equilíbrio entre o prazer mundano e a transcendência divina. Ficou discípula de um xamã e apaixonou-se por um brasileiro.

Mas, voltando à pesquisa de Wisner, ele descobriu que, se para os indianos o amor surge com tempo e a maioria dos casamentos são ainda arranjos feitos pelas famílias, para os nicaraguenses o amor esteve presente até nos tempos de guerrilha, e as relações afetivas estão acima de tudo. Em compensação, em termos de fidelidade, por exemplo, os tchecos são muitos libertinos e em poucos lugares do mundo se trai tanto quanto naquele país. No Egito, amor e religião se aproximam, pois o assunto trata de algo divino que leva à iluminação espiritual. Entretanto, contatos físicos são difíceis e gays vão para a cadeia.

Para Wisner, no que tange à valorização da mulher, a Nova Zelândia sai na frente. “Em nenhum outro país encontrei uma sociedade que valoriza tanto a mulher”, assegura. As relações são equilibradas e o sexo freqüente, ainda que falte um pouco de diálogo entre os parceiros.

E quanto ao Brasil? Ah, sim. O país é abundante em amor. Mas ele dá uma dica: “Esqueça a aparência física, pois as brasileiras não são as mulheres mais belas do mundo.” Aproveita o gancho também para aconselhar: “O que importa não é a beleza, e sim, a atitude. E isso as brasileiras têm de sobra”, diz Wisner.

Rosane Leiria Ávila

Publicado no Mulher Interativa http://www.jornalagora.com.br/site/index.php?caderno=48&noticia=77666

(Apoio: Revista Viagem & Turismo, Ed. Abril, fev. de 2010)

Palavras

palavras - escrita

Escrever é um dom ou uma experiência que se adquire com a prática e persistência? Domar as palavras no papel na velocidade com que vêm e saem da mente, é tarefa fácil e acessível a qualquer um?

Certa vez, quando ainda minha timidez não me permitia expor ideias ou ficções publicamente, e as palavras fugiam ao meu controle apoderando-se de mim, da caneta e do papel, com nítida vida própria e involuntariamente a minha vontade, rebeldes, loucas, belas, sagazes, ferinas ou ternas, minha mãe, observando-me, falou:

- Alguém que escreve não tem o direito de isso dos outros, do mundo, dos impressos e da luz do dia, aprisionando as palavras em agendas guardadas em caixas no fundo do armário. Se Deus dá um dom a alguém, seja qual for, o mínimo que espera desse, é que ele faça bom uso disso.

Pois sempre comprei e ganhei brigas embaralhando palavras e papel. Muito ao contrário das palavras faladas, com as quais nunca travei grande intimidade. Na última quarta, em minha rua e na quadra onde moro, um fato detonou uma saraivada de palavras enviadas por e-mail ao engenheiro responsável por uma obra. Com a temperatura de 40 graus – e até mais -, operários trabalhavam em andaimes, debaixo de um sol escaldante, colocando pastilhas na frente de um prédio em construção.

No e-mail, relatei-lhe a situação quase desumana questionando-o sobre a viabilidade da empresa fazer uma readequação das tarefas dos trabalhadores de forma a respeitar uma orientação solar... O fato chamava a atenção de vizinhos e transeuntes e não resisti ao apelo das palavras, ao imaginar também que aqueles trabalhadores não tivessem acesso a protetores solares...

De outra feita, vários e-mails recebidos de uma assessora de comunicação insistentemente enviados davam conta de que a carne vermelha era o que de melhor há para a saúde, e que a recomendação estava sendo avalizada por toda a classe médica do país. Um verdadeiro absurdo no que concerne às duas abordagens. Não deu outra... Lá se foram – ladeira abaixo ou acima, quer dizer, pela internet, uma conjunção de palavras. Até que a tal assessora se retratasse...

O poeta americano Ralf Waldo Emerson, do século XIX, disse que só enxergamos o que estamos preparados para ver. E nesse caso específico, as palavras escritas, expostas, se revelam, se mostram... Tornam-se testemunhas e reféns da própria impressão, tão diferentemente das palavras sonorizadas, embora a alma humana esteja aberta para enxergar também o que não vê, como Deus, por exemplo.

Bem, palavras são pequenas fortalezas ou feiticeiras... Acredito que têm olhos e som, pois a tudo vêem, escutam e falam... E podem nos encantar através da sensibilidade dos poetas.

Rosane Leiria Ávila

Publicado no Jornal Agora (Mulher Interativa)  06-02-2010

http://www.jornalagora.com.br/site/index.php?caderno=48&noticia=77365

Gordura é um estado de espírito




Em duas refeições frugais, o pacote de biscoitos – que era enorme ficou reduzido a nada. Desolada, Taís não parava de fitar o pacote - agora quase vazio -, e que tendia mais para um lado que para o outro.

Com tristeza lembrou que todo o esforço feito na academia pela manhã havia sido em vão. Na vida, odiava ter que ir malhar mais do que tudo: 1h de esteira, 30min de bicicleta, sei lá quanto tempo de musculação. E, para finalizar ainda havia a tortura dos tais abdominais, que costumava chamar de “abominais”.

E tudo pra quê? Para competir com as amigas de ocasião que, assim como ela, também estavam ficando velhas e largas... Riu-se da alusão.

Uma coisa que tinha era senso de humor. Humor sarcástico ou negro, que às vezes a fazia rir ironicamente das próprias desgraças. Como nas vezes em que escutava um assovio de admiração na rua e se pavoneava toda, mesmo sabendo que era para a sílfide à sua frente.

Olhava-se no espelho todas as manhãs e maldizia as novas rugas, mas se rejubilava porque elas também apareciam corajosas nos rostos redondos das famosas. No espelho, olhava para os olhos e já não via neles o brilho da juventude. Pelo contrário, começavam a ficar embaçados - talvez por uma iniciante catarata -, ou pela desesperança de um dia vestir manequim 40.

Mas mesmo sabendo ser o tempo um demolidor implacável a La Schwarzenegger, esforçava-e para retardar o inevitável e em sua agenda não faltavam visitas a clínicas de estética para aplicações de botox, maquiagem permanente, massagem modeladora, drenagem linfática...

Ufa! Tanto esforço para que sua baixa auto-estima não fosse amarrotada pelo estilo ‘de bem com a vida’ da vizinha gostosona. A tal monopolizava os olhares no elevador e a atenção do síndico, que se desmanchava aos seus pedidos e caprichos. Ela até exibia um bumbum empinado. Seria silicone? “Hoje em dia não se tem mais certeza de nada...” Os peitos eram, disso ela tinha certeza pois o tamanho causariam inveja a americana Pamela Anderson! E a barriga? Esticadinha! “Que nojenta”, pensou!

E agora, fitando o saco dos biscoitos, via tudo ir por água abaixo! Quantas calorias, mesmo?! Eram dos mais doces que havia na prateleira do supermercado. Daqueles folheados (com muita gordura hidrogenada) e ainda por cima açucarados! Melhor nem ler as informações calóricas no pacote. Mas se fosse honesta consigo, teria de admitir que os três croissants no cafezinho da tarde anterior, ou a picanha com capa de gordura no almoço também a fariam afundar a balança.

Melhor então é parar de sofrer, ligar pra amiga e combinar um choppinho (ou mais) no final do dia! Não sem antes prometer que no dia seguinte começaria a dieta, baniria todos os biscoitos e guloseimas da despensa e nem chegaria perto de uma cervejinha.

No fundo, era o que se prometia todos os dias... Afinal, ser gorda não é um tipo físico; é um estado de espírito... Quem foi que lhe disse isso mesmo?!


Rosane Leiria Ávila

Publicado no Mulher Interativa (Jornal Agora)

http://www.jornalagora.com.br/site/index.php?caderno=48&noticia=77096