Escrever é um dom ou uma experiência que se adquire com a prática e persistência? Domar as palavras no papel na velocidade com que vêm e saem da mente, é tarefa fácil e acessível a qualquer um?
Certa vez, quando ainda minha timidez não me permitia expor ideias ou ficções publicamente, e as palavras fugiam ao meu controle apoderando-se de mim, da caneta e do papel, com nítida vida própria e involuntariamente a minha vontade, rebeldes, loucas, belas, sagazes, ferinas ou ternas, minha mãe, observando-me, falou:
- Alguém que escreve não tem o direito de isso dos outros, do mundo, dos impressos e da luz do dia, aprisionando as palavras em agendas guardadas em caixas no fundo do armário. Se Deus dá um dom a alguém, seja qual for, o mínimo que espera desse, é que ele faça bom uso disso.
Pois sempre comprei e ganhei brigas embaralhando palavras e papel. Muito ao contrário das palavras faladas, com as quais nunca travei grande intimidade. Na última quarta, em minha rua e na quadra onde moro, um fato detonou uma saraivada de palavras enviadas por e-mail ao engenheiro responsável por uma obra. Com a temperatura de 40 graus – e até mais -, operários trabalhavam em andaimes, debaixo de um sol escaldante, colocando pastilhas na frente de um prédio em construção.
No e-mail, relatei-lhe a situação quase desumana questionando-o sobre a viabilidade da empresa fazer uma readequação das tarefas dos trabalhadores de forma a respeitar uma orientação solar... O fato chamava a atenção de vizinhos e transeuntes e não resisti ao apelo das palavras, ao imaginar também que aqueles trabalhadores não tivessem acesso a protetores solares...
De outra feita, vários e-mails recebidos de uma assessora de comunicação insistentemente enviados davam conta de que a carne vermelha era o que de melhor há para a saúde, e que a recomendação estava sendo avalizada por toda a classe médica do país. Um verdadeiro absurdo no que concerne às duas abordagens. Não deu outra... Lá se foram – ladeira abaixo ou acima, quer dizer, pela internet, uma conjunção de palavras. Até que a tal assessora se retratasse...
O poeta americano Ralf Waldo Emerson, do século XIX, disse que só enxergamos o que estamos preparados para ver. E nesse caso específico, as palavras escritas, expostas, se revelam, se mostram... Tornam-se testemunhas e reféns da própria impressão, tão diferentemente das palavras sonorizadas, embora a alma humana esteja aberta para enxergar também o que não vê, como Deus, por exemplo.
Bem, palavras são pequenas fortalezas ou feiticeiras... Acredito que têm olhos e som, pois a tudo vêem, escutam e falam... E podem nos encantar através da sensibilidade dos poetas.
Rosane Leiria Ávila
Publicado no Jornal Agora (Mulher Interativa) 06-02-2010
http://www.jornalagora.com.br/site/index.php?caderno=48¬icia=77365
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