“Pode ser que a mão se feche, mas hoje ela se abriu...”, disse o maestro João Carlos Martins ao usar sua mão pela primeira vez em um show, depois de oito anos e após nove cirurgias. Ele estava eufórico e não era para menos, pois conseguiu tocar com todos os dedos da mão esquerda, na comemoração dos 455 anos de São Paulo, no último dia 25. Pianista e maestro de reconhecimento internacional, ele é considerado um dos maiores intérpretes de Bach do mundo.
Aos 26 anos, por causa de uma queda em um jogo de futebol, ele perdeu parte dos movimentos da mão direita. Na seqüência do tempo teve LER (Lesão por Esforço Repetitivo) nesta e retirou um nódulo da esquerda. Não fosse o bastante, ainda sofreu uma lesão no cérebro ocorrida após um assalto na Bulgária e que afetou o movimento de sua mão direita.
A euforia do maestro com a conquista advém da sua capacidade de superação. De acreditar que não há limites para o corpo quando a mente determina. Ou quando a fé impulsiona. O ato de se superar determina a diferença entre a alegria e a tristeza; a piedade por si mesmo e o respeito; entre a vitória e a derrota; o amor e o ódio; a resignação e a coragem...
Todos os dias chegam até nós exemplos de superação, através de pessoas que vão além dos seus próprios limites. Há pessoas que perdem um braço, uma perna. Ou ambos. Que se tornam cegas. Paraplégicas. Tetraplégicas. Que perdem quem mais amam. Ou a família inteira. Depois do primeiro impacto, continuam em frente, reerguem-se, voltam a acreditar na vida e nelas mesmas. E voltam a sorrir.
Não fosse assim, acho que o próprio homem não sobreviveria à dor e às perdas causadas pelo seu próprio mal. Não raras vezes, algumas notícias nos deixam pasmados. Como as dos últimos noticiários sobre o genocídio na Faixa de Gaza e a do traficante mexicano, que confessou ter dissolvido 300 corpos com corrosivos químicos. As duas são de horripilar. No Oriente Médio, corpos dilacerados espalham-se pelos corredores dos hospitais. A fúria israelense desconsidera civis, crianças e mulheres. No México, após o anúncio, o país entrou em comoção. E não foi para menos. Centenas de pessoas acorreram na esperança de localizar corpos de parentes desaparecidos numa guerra de narcotráfico que já fez mais de 5,7 mil vítimas só em 2008.
Por isso tudo, e em meio a esse caos de notícias cotidianas, é que a nota sobre o maestro se torna indelével. Quando ele encerrou a apresentação na praça Victor Civita, estava emocionado. O público também. E ambos choraram.
Rosane Leiria Ávila (rosaneleiria@gmail.com)
Publicado no Mulher Interativa (Jornal Agora, 1º/02/2009)
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